Inúmeras pesquisas têm demonstrado que, se, por um lado, a expectativa de vida do brasileiro cresceu nos últimos dez anos, há, por outro, um índice muito maior de doenças cardiovasculares. Verificou-se, entre essas, o incremento de situações graves, que impedem o retorno de muitos pacientes ao trabalho. Tornou-se, então, fundamental conceituar Cardiopatia Grave, para a orientação tanto do cardiologista como de colegas de outras especialidades. Com essa intenção, a Sociedade Brasileira de Cardiologia propôs esta Diretriz.

O termo Cardiopatia Grave aparece pela primeira vez na legislação brasileira com a Lei n.º 1711 (item III, do Artigo 178) do Estatuto dos Funcionários Civis da União, sancionada em 28 de outubro de 1952, que visava beneficiar os pacientes acometidos de moléstia profissional, acidente em serviço, tuberculose ativa, alienação mental, neoplasia maligna, cegueira, lepra, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave e estados avançados da doença de Paget (osteíte deformante). Esta lei foi reeditada em outras ocasiões, sem modificações significativas. A partir de 1.º de janeiro de 1989, passou a vigorar como a Lei 7713/88, incluindo, então, a síndrome de imunodeficiência adquirida (SIDA/AIDS) e beneficiando os pacientes acometidos pelas mesmas doenças listadas na lei anterior, mesmo que tenham sido contraídas depois da aposentadoria ou reforma (Artigos 6.º, XVI e 57.º). Em 30 de dezembro de 2004, foi publicada, no Diário Oficial da União, a inclusão das hepatopatias graves, nefropatias graves, doenças causadas por radiação ionizante e a doença de Parkinson, como merecedoras do mesmo benefício.

Em 1952, uma comissão multidisciplinar de médicos enunciou o conceito de Cardiopatia Grave como doença que leva, em caráter temporário ou permanente, à redução da capacidade funcional do coração, a ponto de acarretar risco à vida ou impedir o servidor de exercer as suas atividades. A incapacitação laboral deve ser avaliada por perícia médica. Nesse procedimento, o segurado ou paciente, vítima de uma doença ou acidente de trabalho, é examinado por um profissional especializado (médico-perito), que avalia as condições de saúde e a capacidade laborativa, decidindo sobre a conveniência do afastamento ou o retorno às atividades laborativas habituais, de acordo com as normatizações contidas nos Estatutos do Funcionalismo Público Civil ou Militar dos municípios, estados e federação (Manual do Médico Perito, 1980; Perícia Médica, 1990).

O médico-perito, diferentemente do médico-cardiologista-clínico, não exerce a medicina clínica, pois não cuida de enfermos. Utiliza os conhecimentos médicos apenas para estabelecer o diagnóstico e o prognóstico clínico, para julgar a capacidade laborativa e sua imputabilidade. Assim, a atividade e o conhecimento pericial sugerem uma especialidade de cunho médico-judicial, na qual, além dos conhecimentos profundos de clínica, existe a necessidade de uma postura, raciocínio e julgamento, como fim. A adaptação do conhecimento médico às exigências das normas legais realiza-se com critérios e princípios diferentes dos que regem a apreciação dos problemas clínicos. As exigências da medicina clínica são diferentes da pericial, que se vê envolvida com a legislação, que devem sustentar o parecer pericial.

A medicina pericial exercida atualmente em muito difere da praticada há 30 ou 40 anos. Mais do que nunca, passou-se a exigir a comprovação diagnóstica por meio de uma rigorosa avaliação clínica e comprovação laboratorial (métodos complementares não-invasivos e invasivos), evitando-se as conclusões baseadas em impressões subjetivas ou alegações emanadas dos pacientes, sem o corroborativo laboratorial, tão sujeitas a erros ou interpretações enganosas.